O lo-fi hip hop como reflexo e retrato de um pedaço da contemporaneidade.

Matheus Morais Inácio
4 min readNov 22, 2020

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não consegui achar quem ilustrou, se alguém souber, me mande mensagem, por gentileza.

Não lembro muito bem de quando fui fisgado pela famigerada menininha num infindável estudo na companhia de seu bichano, no canto inferior esquerdo o “AO VIVO” e o chat rolando num flow absurdo (em quaisquer horas do dia) enquanto rolam batidas calmas, taciturnas, confortáveis e esquecíveis. As vezes com uma voz ou outra n’alguma mensagem que pode até ser valiosa, mas, ainda efêmera. Mas me apaixonei e aquele sentimento de conforto sem necessariamente muito detalhamento se tornou parte importante do meu cotidiano.

lo-fi hip hop radio — beats to relax/study to

Compreender que o lo-fi hip hop é pra ser efêmero mesmo, de forma contraditória, negritou sua importância pra mim.

Pensar no gênero, subgênero ou microgênero musical é filosófico, o que parece contraditório (de novo), mas acho que essa é a palavra que permeia um tanto em minha relação com a menininha estudiosa com seu gato. Quando destrinchado numa análise, o lo-fi hip hop representa uma leitura interessante da realidade atual, onde compõe-se dessa realidade, usufruindo da própria paradoxalidade pra existir.

É como se numa ilustração fosse dito: “Eu compreendo sua ansiedade e tento subverter isso em forma de arte calmante”. É o tal do reflexo mesmo. O lo-fi hip hop é atmosférico e é isso que me fascina.

O lo-fi hip hop tem por si só a efemeridade, em seu cerne e isso é contemporâneo. As batidas e ambientação entram para preparar o ouvinte a fazer algo, ainda que esse algo seja nada. É feita para ser segundo plano, não precisa do protagonismo. Pode ser, mas, não é necessário como em tantas outras formas de arte, isso pra além da música.

O microgênero compreende o espírito dos tempos, pois, compreende a ansiedade como presente, por isso, já é feita para relax/study. Há uma desenho por trás disso que acalenta. A existência do lo-fi hip hop e de sua popularidade é fruto muito maduro da contemporaneidade. Não sei se necessariamente gostoso, mas é maduro.

eu, em versão lo-fi (https://picrew.me/image_maker/457262)

Entendo que há componentes muito bem marcados na construção dessa arte. É consciente de si no sentido necessariamente midiático e nichado, dessa consciência hão, então, o sentimento de conforto que é proporcionado por conseguir engatilhar o sentimento de nostalgia, afinal, nostalgia é exímia de angústia, é uma lembrança boa, a saudade é distinta da nostalgia, a saudade pode ser aguda, a nostalgia é sentimento de “casa”; a atmosfera, pinta-se um cenário para viver uma cena, não necessariamente um filme todo. É momento, por isso, playlists de lo-fi hip hop são mais conhecidas que os próprios DJs, beatmakers ou pessoas entediadas e criativas. É um fenômeno que entende a própria liquidez e faz disso ferramenta triunfal, como já dito, o lo-fi hip hop é usado para fazer outras coisas, ainda que essa coisa seja nada, é algo preparatório e preparar-se é uma tentativa de aniquilação da ansiedade; a consciência de si próprio, onde compreende a realidade pós-moderna do millenials, do jovem, em que consegue contornar desde os quinze até os trinta anos ou mais, classe média-baixa, aquele que está preocupado com grana mas ainda consegue ter crises existenciais filosóficas, sempre preocupado, preocupado com o futuro, preocupado com o presente, preocupado com o passado, um estereotipo demasiadamente verdadeiro do que é ser jovem nesses tempos: inseguranças, pressões, limbo, mudanças, ansiedades cotidianas, cansaço, incompreensão, absurdismo da própria realidade (principalmente se for brasileiro), medo, tristeza, depressão, enfim.

Atentar-se ao como é ser jovem na atualidade é agridoce, no mínimo. É visível que há mais possibilidades do que se havia anos atrás, todavia, é visível quantas intempéries, obstáculos ou bloqueios foram desvendados, descobertos ou criados para tal.

Dessa profundidade, me cativa a gênese do lo-fi hip hop, em que — talvez eu me repita, assim como o lo-fi hip hop — compreende essa ansiedade, supõe já a existência dessa angústia e nasce como algo pra além da expressividade como artista, vem como tentativa de calma ou calmante ou ansiolítico. É uma mescla estranha e paradoxal mas funcional entra a inutilidade e a utilidade.

(Isso me lembra Manoel de Barros e os ensinamentos sobre as inutilezas e sobre a alegria ser inútil, mas isso já é outra brisa…)

Estranho pensar que um migrogênero musical já nasce com sua dosagem de ansiolítico. Retrata com especificidades — específicas até demais — o que é que vivemos e, se pá, um tanto pra onde estamos indo.

O lo-fi hip hop te acalma e me acalma porquê antes mesmo de existir como mídia ele já entende que provavelmente você tá afetado ou prestes a se afetar de um jeito que seja pouco ou muito angustiante.

Eu amo lo-fi por compreender isso e me acalmar, mas me incomoda que compreenda esse amor.

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