O lo-fi hip hop como reflexo e retrato de um pedaço da contemporaneidade.
Não lembro muito bem de quando fui fisgado pela famigerada menininha num infindável estudo na companhia de seu bichano, no canto inferior esquerdo o “AO VIVO” e o chat rolando num flow absurdo (em quaisquer horas do dia) enquanto rolam batidas calmas, taciturnas, confortáveis e esquecíveis. As vezes com uma voz ou outra n’alguma mensagem que pode até ser valiosa, mas, ainda efêmera. Mas me apaixonei e aquele sentimento de conforto sem necessariamente muito detalhamento se tornou parte importante do meu cotidiano.
lo-fi hip hop radio — beats to relax/study to
Compreender que o lo-fi hip hop é pra ser efêmero mesmo, de forma contraditória, negritou sua importância pra mim.
Pensar no gênero, subgênero ou microgênero musical é filosófico, o que parece contraditório (de novo), mas acho que essa é a palavra que permeia um tanto em minha relação com a menininha estudiosa com seu gato. Quando destrinchado numa análise, o lo-fi hip hop representa uma leitura interessante da realidade atual, onde compõe-se dessa realidade, usufruindo da própria paradoxalidade pra existir.
É como se numa ilustração fosse dito: “Eu compreendo sua ansiedade e tento subverter isso em forma de arte calmante”. É o tal do reflexo mesmo. O lo-fi hip hop é atmosférico e é isso que me fascina.
O lo-fi hip hop tem por si só a efemeridade, em seu cerne e isso é contemporâneo. As batidas e ambientação entram para preparar o ouvinte a fazer algo, ainda que esse algo seja nada. É feita para ser segundo plano, não precisa do protagonismo. Pode ser, mas, não é necessário como em tantas outras formas de arte, isso pra além da música.
O microgênero compreende o espírito dos tempos, pois, compreende a ansiedade como presente, por isso, já é feita para relax/study. Há uma desenho por trás disso que acalenta. A existência do lo-fi hip hop e de sua popularidade é fruto muito maduro da contemporaneidade. Não sei se necessariamente gostoso, mas é maduro.
Entendo que há componentes muito bem marcados na construção dessa arte. É consciente de si no sentido necessariamente midiático e nichado, dessa consciência hão, então, o sentimento de conforto que é proporcionado por conseguir engatilhar o sentimento de nostalgia, afinal, nostalgia é exímia de angústia, é uma lembrança boa, a saudade é distinta da nostalgia, a saudade pode ser aguda, a nostalgia é sentimento de “casa”; a atmosfera, pinta-se um cenário para viver uma cena, não necessariamente um filme todo. É momento, por isso, playlists de lo-fi hip hop são mais conhecidas que os próprios DJs, beatmakers ou pessoas entediadas e criativas. É um fenômeno que entende a própria liquidez e faz disso ferramenta triunfal, como já dito, o lo-fi hip hop é usado para fazer outras coisas, ainda que essa coisa seja nada, é algo preparatório e preparar-se é uma tentativa de aniquilação da ansiedade; a consciência de si próprio, onde compreende a realidade pós-moderna do millenials, do jovem, em que consegue contornar desde os quinze até os trinta anos ou mais, classe média-baixa, aquele que está preocupado com grana mas ainda consegue ter crises existenciais filosóficas, sempre preocupado, preocupado com o futuro, preocupado com o presente, preocupado com o passado, um estereotipo demasiadamente verdadeiro do que é ser jovem nesses tempos: inseguranças, pressões, limbo, mudanças, ansiedades cotidianas, cansaço, incompreensão, absurdismo da própria realidade (principalmente se for brasileiro), medo, tristeza, depressão, enfim.
Atentar-se ao como é ser jovem na atualidade é agridoce, no mínimo. É visível que há mais possibilidades do que se havia anos atrás, todavia, é visível quantas intempéries, obstáculos ou bloqueios foram desvendados, descobertos ou criados para tal.
Dessa profundidade, me cativa a gênese do lo-fi hip hop, em que — talvez eu me repita, assim como o lo-fi hip hop — compreende essa ansiedade, supõe já a existência dessa angústia e nasce como algo pra além da expressividade como artista, vem como tentativa de calma ou calmante ou ansiolítico. É uma mescla estranha e paradoxal mas funcional entra a inutilidade e a utilidade.
Estranho pensar que um migrogênero musical já nasce com sua dosagem de ansiolítico. Retrata com especificidades — específicas até demais — o que é que vivemos e, se pá, um tanto pra onde estamos indo.
O lo-fi hip hop te acalma e me acalma porquê antes mesmo de existir como mídia ele já entende que provavelmente você tá afetado ou prestes a se afetar de um jeito que seja pouco ou muito angustiante.
Eu amo lo-fi por compreender isso e me acalmar, mas me incomoda que compreenda esse amor.